Toda
terça-feira, ou quando dá, Natan Donadon veste seu melhor terno, ajusta o broche
dourado na lapela, ajeita o topetinho e pega um avião até Brasília. Lá,
encaminha-se – pelas beiradas, olhando para os lados – ao gabinete 239 da Câmara
dos Deputados. Quando se encerra essa delicada operação, tranca-se em sua sala.
Volta e meia orienta as secretárias a informar que não está. Sai apenas quando
precisa votar no plenário, sempre com passinhos apressados, sempre pelos
caminhos de uso exclusivo dos deputados. Vai e volta na mesma toada, tão veloz
que é mais fácil encontrar um burocrata brasiliense dando expediente num domingo
do que Natan dando mole no plenário da Câmara numa terça ou quarta-feira. Assim
que cumpre suas obrigações em Brasília, no mais tardar na quinta-feira, Natan
abandona o terno, esconde o broche – e volta rapidinho a Rondônia, Estado pelo
qual foi eleito e onde mora. Natan não é paranoico nem tem preguiça de
trabalhar. Natan tem medo de ser preso.
Natan
é o primeiro parlamentar condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) à prisão
por desvio de dinheiro público. Outros quatro deputados foram condenados nos
últimos anos por crimes como sonegação fiscal ou de responsabilidade. Mas não
foram ameaçados de prisão, porque seus crimes prescreveram ou as penas podiam
ser cumpridas em regime semiaberto. Natan é – pelo menos até a proclamação da
sentença do caso do mensalão – o único que pode ir para a cadeia. Em 28 de
outubro de 2010, o STF decidiu que ele deve cumprir 13 anos e quatro meses de
prisão por ter cometido os crimes de peculato e formação de quadrilha. Os
ministros do STF entenderam que Natan ajudou a desviar R$ 8,4 milhões dos cofres
da Assembleia Legislativa de Rondônia, entre 1995 e 1998. Apesar de o Supremo
ser a última instância da Justiça, suas sentenças não são cumpridas
imediatamente. Graças a um último recurso, capaz de atrasar a execução da pena,
Natan pode exercer seu mandato, ainda que intranquilo, enquanto aguarda o
julgamento derradeiro no STF. Entre dezembro de 2011 e 29 de junho deste ano, o
julgamento desse recurso foi adiado dez vezes. Natan torce pelo 11º
adiamento.
Sua
liberdade, ainda que provisória, tem seu preço. Especialmente para os
contribuintes. Desde que assumiu seu primeiro mandato pelo PMDB, há nove anos,
com 35 de idade, Natan nunca se destacou pela argúcia política ou pela
exuberância de suas ideias. No atual mandato, já condenado, proferiu apenas 400
palavras na tribuna. Não apresentou ou relatou nenhum projeto relevante. Sua
especialidade, assim como de muitos colegas, é outra: gastar dinheiro público.
As 400 palavras de Natan na tribuna já custaram, entre salários e despesas de
gabinete, cerca de R$ 1 milhão aos cofres públicos. Sem contar os salários de
seus assessores – entre eles, dois parentes. No gabinete de Natan, porém,
encontra-se somente um motorista.
Para
encontrá-lo no Congresso, ÉPOCA teve de correr. Flagrou-o num dos trotes na
saída do plenário. Ele ficou nervoso. Não se acalmou nem após descobrir que não
fora pilhado por um policial carregando uma ordem de prisão. Natan não gosta de
falar sobre sua condenação. Para relaxar, sorri como se estivesse se divertindo
e dá tapinhas pesados no peito e no braço do interlocutor durante a conversa. No
encontro, repetiu uma dúzia de vezes uma pergunta feita a ele, como procurasse
ganhar tempo para responder. “Se fico ansioso quando o Supremo vai julgar meu
caso?”, diz, dando uma risadinha. Natan dá um tapinha no ombro, empertiga-se,
leva a mão ao queixo: “É uma boa pergunta... Se fico ansioso? Você quer saber se
fico ansioso? Confio na Justiça e na justiça divina (ele
é evangélico). O Supremo está analisando meu caso com muito cuidado, porque
é uma coisa importante, é a vida da pessoa”.
Até
ser condenado pelo STF, Natan não se escondia assim. Ao contrário, aproveitava
as poucas oportunidades disponíveis para aparecer. Um de seus costumes era subir
à mesa diretora e atuar como presidente da Câmara nas sessões em que o plenário
estava vazio. “Agora, nem isso ele faz mais”, diz um colega. Antes, costumava
tomar o microfone e cantar em jantares do PMDB. Hoje, é pouco visto até nas
reuniões partidárias. Natan só se permite aparecer um pouco quando é para
cantar. Recentemente, cantou num evento pequeno na Câmara. Fez até um terceto
com a dupla Marcos e Gustavo num show. Ele solta seus vibratos mesmo nas festas
agropecuárias em Rondônia – às quais destina verbas públicas com suas emendas ao
orçamento da União. Nelas, Natan costuma cantar ao lado da principal atração da
noite.
A
condenação por corrupção tornou Natan conhecido. Ele é o maior expoente de uma
família que domina a política na região conhecida como cone sul de Rondônia. Por
lá, os Donadons são alvo de denúncias de corrupção e nepotismo. Natan ganhou seu
primeiro cargo público do pai, Marco Donadon, quando este era prefeito de
Colorado do Oeste. Depois, o irmão Marcos o nomeou diretor da Assembleia. Quando
foi prefeito de Vilhena, seu primo Marlon Donadon só demitiu 13 parentes depois
de ser obrigado por uma decisão judicial. Entre os parentes empregados por Natan
em seu gabinete está Márcio Antonio Donadon Batista. ÉPOCA perguntou a Natan,
por telefone, sobre a contratação de Márcio Antonio. “Não vou te responder
isso”, disse ele. “Você é maligno. Meu espírito percebeu que seu espírito é
maligno!”
Enquanto
não vai para a cadeia, Natan canta. Uma de suas músicas favoritas chama-se
“Boate azul”, composta pela dupla João Mineiro e Marciano e executada por
artistas consagrados, como Milionário e José Rico, Bruno e Marrone e Michel
Teló. Diz o seguinte: Sair
de que jeito/se nem sei o rumo para onde vou. Pela 11ª vez, caberá ao
Supremo definir esse rumo.
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